Por (*)
Fazer uma viagem para ilha de Páscoa com objetivo de surfar ou remar, é como um rito de passagem, um pedido de benção aos guardiões do mares. Estando aberto para receber o que eles irão lhe oferecer e permitir que você viva neste lugar tão singular e especial.
Conhecida como “umbigo do mundo” a ilha que fica a 3.700km da costa do Chile e 4000km do Tahiti é considerada a ilha habitada mais remota do mundo e isto faz com que a força da natureza seja impressionante, uma vez que ventos e correntes que passam por lá estão livres de esbarrar por qualquer continente.
A água é cristalina, cheia de tartarugas de tamanho grande (daquelas que só havia visto em Galápagos e no Hawaii), e as rochas negras de origem vulcânica fazem um contraste impressionante com o mar azul turquesa. Mas não pense que todo este visual incrível é sempre super convidativo, e como ouvi por lá: “o oceano pacífico é pacífico apenas no nome”. Na verdade ele é imponente, forte e arisco, mas permite que você possa interagir se souber respeitá-lo. A cultura Rapa Nui, suas histórias e mistérios são os grandes atrativos da ilha – uma civilização lembrada pela luta de sua sobrevivência, grandes guerreiros, poder espiritual, esculturas dos moais e a competição do homem pássaro.
Este é um destino que mistura natureza, esporte, história e arqueologia.
Mas se sua intenção é conhecer a ilha, prepare o bolso, pois fazer uma viagem para este local não é barato e isto refere-se a passagem, estadia, alimentação, passeios e até compra de artesanato. Normalmente viajar para ilhas já tem o custo alto e este destino não é diferente. Mas tudo o que você vai viver neste lugar é muito maior do que a fatura do cartão de crédito que chegará na sua casa no mês seguinte.
Algumas pessoas fizeram a diferença para que os dias que eu passasse na ilha fossem muito bem aproveitados para que eu fizesse todos os registros necessários para o projeto SUPtravessias e realizasse a travessia que eu tanto almejava: da vila ao motu do homem pássaro.
Entre as pessoas que me ajudaram por lá começo pela Bruna e Beno, uma brasileira e local da ilha que seriam meus guias nas aventuras, toda a equipe do Mike Rapu Dive Center (www.mikerapu.cl) que me deu o suporte durante a travessia, além do Cristian e Marcelo da equipe Rapa Nui Photo (www.rapanuiphoto.com) que fizeram as imagens para que eu pudesse mostrar toda a beleza deste lugar tão especial.
Os primeiros dias foram de surf, visita aos sítios arqueológicos e locais sagrados. A ilha é conhecida pelas suas fortes e enormes ondas, dignas dos mais destemidos big riders do planeta, mas há a opção de surfar na frente da vila para os reles mortais...como eu.
Mesmo assim tem que ficar atendo, pois o fundo é de pedra, razoavelmente raso e se entrar um ventinho e você estiver de SUP, tem que ficar ainda mais esperto para não se machucar.
A travessia que tanto almejei foi realizada no limite da entrada de fortes ventos e me impressionou pela força da natureza. O trajeto relativamente curto com cerca de 18km foi um dos mais difíceis que já realizei. A corrente era extremamente forte me levando de lado e para fora do meu trajeto e os ventos idem. Em alguns momentos ultrapassando 13nós e me fazendo ajoelhar como se esta fosse a maneira mais respeitosa de chegar a um lugar sagrado. O objetivo desta travessia era alcançar o Motu onde ocorria a competição do “homem pássaro”.
Para quem não conhece, de forma resumida a história é o seguinte: guerreiros representavam suas tribos na competição que consistia em descer cerca de 300m da cratera do vulcão Rano Kao nadar em uma região infestada de tubarões até uma ilha (Motu) próxima para pegar o ovo de um pássaro que migrava apenas determinada época do ano. Após fazer todo o trajeto de volta o guerreiro que chegasse em 1º com o ovo intacto teria sua tribo "governando" no próximo ano e se tornaria um ser ilustre na ilha - muitos morriam no percurso, caindo dos penhascos ou sendo atacados por tubarões.
Ter o privilégio de remar neste lugar entre um vulcão e esta ilha tão significativa para esta civilização foi muito especial e ficará pra sempre na minha memória.
Os outros dias eram intercalados entre surf e um profundo mergulho na cultura RapaNui.
Uma das histórias mais interessantes é referente a construção das plataformas dos moais, as grandes e famosas esculturas da ilha. Chefes tribais possuíam o que eles chamam de “mana” que a grosso modo pode-se traduzir em força espiritual, poder sobrenatural , conhecimento, fertilidade e sabedoria. Qdo estas pessoas morriam, eram enterradas e sobre ela eram construídas as plataformas onde se localizariam os moais. Que eram transportados até lá sem os olhos. No momento em que os olhos eram colocados nestes moais o “mana” desta importante pessoa era mantido e reencarnado. Estas e outras histórias mostram a força espiritual e energia desta ilha tão distante de todos os continentes. Visitar o vulcão conhecido como a fábrica de moais é uma experiência incrível. Este é o local onde eram talhados os moais que depois eram transportados para toda ilha, ali, além de apreciar a beleza da natureza você obtém uma aula de história e cultura Rapa Nui. Não é a toa que o a ilha de Páscoa também é conhecida como o maior museu a céu aberto. A cada lugar que você visita e mesmo dentro da vila há diversas esculturas e ruínas para contemplar e descobrir suas histórias. A ilha não é grande e há estrutura para atender o turismo, com restaurantes e operadoras de aluguel de carro e de passeios. Alugar uma bike e percorrer as estradas é uma boa opção para aqueles que tem preparo físico, mas há também quadriciclos e os carros. Entre as opções de hospedagem há pousadas com cozinha comunitária e também hotéis de padrões variados, o custo é relativamente alto e a simplicidade reina. Mas a ilha é um lugar para se desprender e estar aberto ao que ela vai te oferecer. Sim, há internet na ilha, mas ela é lenta, eu aproveitei para desplugar completamente e nos dias que passei lá fiquei sem celular, jornal, revista, tv e internet. Meu único contato com a tecnologia eram os equipamentos de foto, filmagem, GPS e notebook para registrar tudo que estava vivendo por lá e foi ótimo, pois puder me conectar realmente com aquele lugar deixando o mundo lá fora...lá fora.
Por mais que você se programe e tenha em mente as principais atrações que queira ver não adianta fazer um roteiro fixo, pois é a natureza que te dirá o que você vai fazer a cada dia, vai depender do vento, do tempo, das correntes, da temperatura, do sol ou da chuva, você está ali apenas para receber o que ela vai te dar, esteja aberto e seja humilde na sua busca será bem recompensada. Tenho ótimas lembranças desta viagem, mas uma das coisas que me marcou foi a recepção de todos que vivem lá, com uma alegria na face, um ar de paz reinando no ambiente e toda a boa vontade para ajudar em tudo que foi necessário para que eu pudesse ter todas as realizações que fui buscar neste lugar. E isto estará sempre na minha memória, um lugar distante de tudo com a força da natureza reinando e a cultura polinésia me nos recebendo de braços abertos. Maururu (obrigado na língua Rapa Nui)
Agradecimentos especiais: UOL; Board House; Naish; Rapa Nui Photo; Mike Rapu Dive Center, Bruna Foinaser e Beno
(*) Roberta Borsari é atleta profissional e aventureira, tem patrocínio UOL, apoio Board House e escreve sobre expedições para o SUPCLUB. Saiba mais sobre a colunista: http://www.robertaborsari.com/